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A Cerca Nova e os Rossios  (ou Khôra)

Vila Viçosa desenhada por P-M Baldi em 1668, para o Príncipe Cosme de Medici.(Em Khora-Rossio e no blog Khora-Fonte analisa-se a importância da Cerca Nova, aqui ainda bem visível, para o desenhourbano da Vila e dos seus rossios)
Vila Viçosa, Rossio de Baixo nos anos 20, ainda com um pontão sobre o curso de água que o atravessava. (A frente urbana é a definida pela Cerca Nova feita construir por D. Jaime no sec XVI, em fundo ao alto ainda bem visível a Fortaleza Nova de D Jaime e os terraços das fortificações do século XVII protagonista da resistência ao cerco que antecedeu a Batalha de Montes Claros)

Já se avançou que era possível uma leitura da Vila que considera esses espaços como fazendo parte do núcleo urbano renascentista, não obstante algumas intervenções neles feitas mais recentemente.
Vamos tentar reforçar essa leitura e mostrar como é ela possível e mesmo desejável (ainda que possa prejudicar uma retórica de autenticidade da candidatura -- uma autenticidade entendida estritamente como ancestralidade intocada e fixada).

Vila Viçosa, feira de gado no Carrascal (anos 50?): Em Khora-TRossuo pode ver-se as várias utilizações que foram tendo estes espaços livres  progressivamente envolvidos no crescimento da Vila, e a importância que continuam a ter.

Esses espaços, mantidos abertos por razões militares que proibiam levantar edificações permanentes, tinham muitos outros usos resultantes dessa sua característica, e que eram essenciais para a vida económica e social; espaços abertos, campos, designados em Itália por piazze dell'erba e no Alentejo por rossios e defesas, funcionaram como estacionamento de gado e parques de feira, exercícios/paradas militares; parte do Rossio de Cima foi durante largo tempo usado como cemitério (de S. José) ... Até às primeiras décadas do séc. XX, visivelmente atravessados por um curso de água, mesmo depois deste ser progressivamente encanado se manteve a memória desta relação com a água, numa sucessão de chafarizes de jorro abundante, e já aí existiu um fontanário em mármore de estilo maneirista, “a Fonte” que hoje ocupa um lugar central e simbólico na vida da Vila (ignorado nesta candidatura, à excepção de uma nota a uma fotografia em que aparece num enquadramento do Palácio da Câmara).

A.3.(secção do texto de Participação na Discussão *Puública da Xandidatura de V V V a Património Mundial)
Defender a Vila: Da Cerca Nova até à definição de um núcleo urbano renascentista abrangendo o Carrascal e os Rossios (renaturalizados) 
Já se disse que a Candidatura de Vila Viçosa a Património Mundial perdeu a possibilidade de pôr em evidência uma singularidade e talvez a excepcionalidade de Vila Viçosa, ao desvalorizar uma sequência na articulação de arquitecturas militares e expansões urbanas que começa quando D. Jaime decide construir um palácio residencial e de recepção relativamente distante da alcáçova medieval, mas colocando o conjunto da nova urbe ao abrigo de uma nova fortificação. Já se mostrou a importância dessa separação entre residência e fortificação, ao ter permitido, “por um lado os desenvolvimentos da arquitectura militar em torno da fortaleza, e por outro, que a partir de um palácio inteiramente civil no estilo e na função, se constituísse um lugar com espaço para a progressiva onstrução de edifícios dedicados ao culto religioso, às artes e à residência de toda uma côrte, levando ao desenho do magnífico Terreiro do Paço e ao desenvolvimento de uma pequena urbe renascentista ...”
É de reafirmar, nesta secção A.3 com uma incidência mais alargada, a conclusão já avançada na secção A.1 de que a compreensão de como se articularam desenvolvimentos militares e urbanísticos é prejudicada pela leitura que Duarte Pacheco impôs ao desenho de toda a urbe. Vejamos como isso se aplica a outros espaços na periferia do que esta candidatura definiu como o núcleo histórico a
classificar; espaços que estão a ser remetidos para a Área de Protecção, por terem sido intervencionadas já na segunda metade do séc. XX, continuando a pairar aqui o fantasma da intervenção do ministro de Salazar. Vai-se tentar mostrar agora como uma libertação da leitura imposta por essa intervenção pode levar a incluir estas áreas no núcleo urbano histórico, e como isso permite inserir esta candidatura numa dinâmica de futuro.
Na sequência da criação de um lugar separado da fortaleza para a progressiva edificação das instalações da nova e ambiciosa côrte, que levou ao desenho de um magnífico Terreiro e à sucessiva expansão urbana, D. Jaime foi levado a construir uma nova fortificação que envolvesse a urbe -- a Cerca Nova. Desmontada em grande parte no séc. XVIII para dela serem retirados materiais a usar na ampliação do Palácio desejada por D. João V, mantiveram-se as suas marcas no desenho da  urbe, em espaços usados ao longo dos séculos com funções assimiláveis às iniciais.

Vila Viçosa, Rossio, anos 30: Cerimónia de início da plantação da Mata Municipal na área onde acabara de ser desmontado o Cemitériode S José (odeestava nomeadamente a sepultura de Henrique Pousão, não transladada) Na área recintada à esquerda do Convento dos Jesúitas, uma área reintada onde viria a ser costruído um lagar , e, mais recentemente, um hotel.
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Há opções na demarcação do núcleo histórico urbano que levam a pensar na valoração que se faz hoje em V V de edificações e instalações como as Piscinas e todo o Parque Desportivo no Carrascal, o Tribunal e algumas instalações previstas para o Rossio deCima, a Mata Municipal e os equipamentos nela instalados, os arranjos no Rossio e algumas edificações de carácter social nas sua envolvente, como o Mercado Municipal e o Centro de Saúde., ou a nora restaurada que lhe é adjacente – tudo isto da iniciativa e responsabilidade das administrações municipais ou dos governos centrais. (Devo dizer que nem tudo é negativo nessas instalações e edificações, bem pelo contrário).
Acresce, em termos de leitura do que é e foi a Vila, que estes são espaços fundamentais para a compreensão do projecto de D Jaime, para as alterações feitas ou projectadas no séc. XVIII (ver plantas com projectos), para a compreensão e memória do que foi a vida desta vila no séc. XIX, como lugar de aquartelamentos militares e de campanhas de caça, para a compreensão de como a vila se reanimou no séc. XX, quando para esses espaços foram transferidas as feiras e outras
actividades que até aí se realizavam no Terreiro do Paço. Ou será que, ao delimitar e definir o “centro histórico”, não se aperceberam do que significavam os espaços livres ou abertos por D. Jaime quando fez a Cerca Nova? Não se questionaram sobre o papel de rossios e defesas na urbanística alentejana?

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Estes espaços, salvaguardados na sua disponibilidade ao longo de quinhentos anos, mesmo com a sua utilização actual, que não os comprometeu visualmente e lhes conserva alguma continuidade, são parte integrante do projecto renascentista, da sua continuidade com a vila medieval e da continuidade com a vila de hoje, e espero que o sejam também no futuro não obstante alguns projectos para o Rossio de Cima que o comprometeriam definitivamente nestes aspectos.
É portanto indispensável, para o respeito pela matriz renascentista e o reconhecimento da intenção planificadora atribuída a D. Jaime, que estes espaços sejam incluídos no núcleo histórico urbano. E que, tendo em conta também considerações ecológicas e paisagísticas, a Área de Protecção se estenda até aos limites da bacia hidrográfica que esteve na origem do sediamento da Vila, isto é, até aos limites do concelho a Norte, e ao alto do Barradas e ao Monte do Álamo a Poente, e daí até às Quatro Cruzes, a Sul, flectindo para Nascente até ao encontro com a actual linha de delimitação da Área de Protecção na Ribeira de Borba, mas de modo a incluir toda a Ribeira de Peixinhos até São Francisco Velho. Isto englobaria e condicionaria toda a expansão urbana a Sul?! Paciência, e algum sacrifício! Os condicionamentos, embora diferentes, têm que ser vistos como positivos, para todos.
Ou será que querem pôr o “Centro Histórico” numa redoma, para poderem continuar a fazer à volta
toda a espécie de disparates? É o que a delimitação de uma estreita Área de Protecção a Sul e Sudeste, leva a pensar. Muito mais escassa do que em toda a restante envolvente e mal impressa na carta.

Usados cada vez mais para estacionamento de viaturas automóveis, neles foram instalados já no séc. XX, parques de lazer arborizados e depois parques desportivos. Nalguns casos, isso levou a edificações de carácter mais permanente, como restaurantes, quiosques, instalações de apoio às Piscinas Municipais e até, numa localização destacada, um Tribunal (com um revestimento a mármore onde qualquer leigo vê o que os arquitectos designam por um “diálogo” com as janelas do jardim e casa nobre que vem até à esquina oposta, uma marca que permite reconhecer o traçado da desmontada Cerca Nova; enquanto que, outrora rodeada por um amplo prado agora em progressiva redução devido à excessiva arborização, se encontra ali próximo uma capela edificada no séc. XVI). Mas, no essencial e na maior parte da sua extensão, estes espaços permanecem livres de instalações irreversíveis ou de grande volume e, como espaços abertos, ainda hoje são imprescindíveis à vivência que os habitantes fazem da vila e à leitura visual e conceptual que os visitantes podem fazer da urbe em que entram ou quando a
percorrem a fruir da sua amenidade e à descoberta dos seus encantos – embora alguns dos que dizem querer promovê-la se obstinem em não perceber isto. E a culpa não é aqui do Duarte Pacheco.
O que aqui se escreveu na secção A.1 permite compreender quanto é problemática a definição do bem que se candidata. Ao definir como critério cronológico para a demarcação do centro histórico a segunda metade do séc. XX, fica claro como as intervenções em torno de 1940 são incontornáveis em qualquer demarcação. Se se quisesse valorizar a coerência das grandes linhas na sequência de  
transformações urbanísticas, assim como a compatibilidade das edificações e traçados ao longo de séculos, então, ou essa continuidade teria sido interrompida e prejudicada pela intervenção do regime de Salazar, ou esta intervenção estaria nessa continuidade e como tal devia ser valorizada. E se a lógica da candidatura é essa harmonia e compatibilidade numa série ou na continuidade de intervenções (não é a designação de Vila Ducal renascentista que impede outras lógicas, pois são valorizados quer a matriz medieval quer alguns desenvolvimentos posrenascentistas), então porque não considerar também outros desenvolvimentos posteriores a 1940 (se não mesmo o conjunto desses desenvolvimentos). Acaso admitem ou querem afirmar que esses desenvolvimentos traíram mais o espírito da Vila do que o fez o salazarismo. E se assim foi, ou assim o sentem, o que é que isso significa em relação ao modo como habitantes e autoridades encaram actualmente o seu património e a sua cultura. A dimensão de um património candidatado a um reconhecimento deste tipo não pode ser só a de um passado, ultrapassado, que se quer cristalizar face ao processo do tempo. 
Alguns ou muitos dos desenvolvimentos posteriores a 1950, são de facto demonstrativos de uma falta de compreensão/respeito pelos significados e valores historicoculturais de que a Vila está impregnada, e de uma desvalorização do seu conjunto. Não tanto no que se refere às grandes linhas de urbanização, que até dão seguimento à matriz que aqui se diz ser renascentista, quanto no que se refere à arquitectura, ora na banalidade, ora no pretensiosismo (e isto mesmo na área definida como centro histórico), e na ruptura com as lógicas de volumes e suas articulações. Mas o que aqui importa é que, no essencial, foram mantidos
como espaços livres ou de certo modo disponíveis.

j de Romer e seu proj lig ao alto de S B

Esta leitura da Vila, em particular destes espaços e do uso que deles foi feito, talvez prejudique uma retórica de valorização da sua universalidade, que não da sua singularidade. É uma leitura que afirma o seu valor regional e talvez nacional. E é sobretudo a leitura que permite um
desenvolvimento que salvaguarde e valorize o que a história nos legou. A leitura que melhor serve aos seus habitantes actuais e futuros. Mas um centro histórico não é um espaço que se põe numa redoma como uma estatueta de Santo. É um espaço a que se reconhece valor matricial para desenvolvimentos posteriores, incluindo os que ainda estão no nosso futuro. Não serve para fora dele, nem sequer fora de uma área de protecção, fazer toda a espécie de alarvidades. E talvez não seja por acaso que esta “Área de Proteção” é tão escassa ou nula nos espaços em que nos estamos aqui a focar.
A propósito destes espaços, livres e, desejavelmente, o mais naturalizados possível, vai-se ao
encontro, também aqui, do problemático papel da água na retórica da candidatura. Campos,
carrascais, rossios, espaços abertos para defesa militar, espaços abertos que funcionaram como defesa urbanística, foram também espaços seminaturais de defesa ecológica, sobretudo por facilitarem a infiltração de águas pluviais e por nele correrem ribeiros. E, em boa parte por essa ligação à rede fluvial e pela sua posição hidrográfica e orográfica, são essenciais na relação da Vila com a sua envolvente geográfica, tão gabada na Proposta de Inclusão que aqui está agora em discussão, mas em que isso é feito, sem que se perceba se são referências ao passado ou ao presente, com recomendações implícitas para o futuro.

Bacias hidrogr na prox de V V.jpg
A Vila de D. Jaime <<

2.1.1 IMPLANTAÇÃO do bem proposto para inscrição na Lista do Património mundial compreende: O núcleo urbano histórico de Vila Viçosa, anterior às expansões da segunda metade do século XX; A Tapada Real, antigo couto de caça.A linha amarela que aqui se acrescentou sublinha os limites do Concelho a Noroeste, que sãotambém os da sua pequena bacia hidrográfica.

A linha roxa, aqui traçada do Monte do Álamo a Sudoeste até a São Francisco Velho e ao Alto daRabaça é uma sugestão para o alargamento da Área de Protecção de Sudoeste a Nascente.

© 2016 KHÔRA Rua Florbela Espanca 6 e 8 VILA VIÇOSA

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