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Arte e Cultura em Vila Viçosa:

1.

Do Mestre Pousão, celebrado em Bronze,    ao Pousanito, divulgado nuns papéis.

Em lugar de destaque, foi instalado em Vila Viçosa, nos anos 50, um busto em bronze de um "Mestre Henrique Pousão", que só existiu na retórica celebrativa do salazarismo. 

Aqui, bem a contrário, trata-se da vida truncada e da obra profícua de um jovem que  viveu intensamente a sua época, explorando e antecipando a estética de um tempo que estava pra vir.  Por isso pegamos no nome que lhe deram os estudantes da academia portuense cem anos depois da sua morte: o Pousanito.

Por isso preferimos celebrá-lo não no bronze ou no mármore, mas na efemeridade de uns papéis e na virtualidade partilhada da net, disponibilizando-o às novas gerações para que dele possam tomar o que nele vejam de contemporâneo.  Enquanto se olha para uma vila em decadência, com os olhos que a arte do Pousanito nos ajuda a formar.

Vila Viçosa, Henrique Pousão, representado num busto em bronze, contempla a cena medieval-modernista que Duarte Pacheco criou na Vila Museu. A retórica celebrativa do salazarismo homenagiou nos anos 40 um Mestre que, na fulgurante descoberta dos horizontes da arte feita na sua curta vida, o Pousanito nunca foi.

Segue-se um texto desenvolvido a partir de apontamentos escritos em 2015 com uma assumida má disposição, não com o Pousanito, mas com Vila Viçosa e o modo serôdio como aí se cultiva a arte e a memória.

 

Em Vila Viçosa, desde os anos cinquenta do século passado, há um busto em bronze do pintor Henrique Pousão frente à igreja de S Bartolomeu. Por baixo, no pedestal em mármore, pretenderam reproduzir numa chapa, igualmente em bronze, a figura de Cecília -- a rapariga que ele pintara em Roma, enquanto ela lia numa igreja um livro de orações. Em frente no espaço aberto nos anos 40 pelo Engª Duarte Pacheco, mestre d'obras de Salazar, podia ver-se a nova Porta de Évora de um altaneiro castelo que estivera desaparecido durante séculos, mas ressurgia agora no lusitano integralismo da sua neomedievalidade (re)fundadora e legitiadora de um Estado Novo.

 

Não tinham sido plantados ainda, nem o busto em mármore de Florbela, nem o monumento evocativo do Doutor Jardim (com a face do velho médico afectuosamente esculpida em mármore branco por um artesão local, mas inserida (a despropósito, qual caraça!) num bloco de ruivina em que estão bem estilizadas em baixo relevo as figuras da comunidade que o taumaturgo assistiu durante quase um século); nem lá estava a pequena estátua do cientista e opositor ao regime salazarista Bento de Jesus Caraça, esta também, em bronze (descubra-se com que critério!) empoleirada sobre um ridíiculo pedestal (Esta Vila tem má sina com os pedestais, só se salvando o do busto de Pousão), e como que olhando, sabe-se lá se o seu precededor bronzeo e calipolense herói/pintor, se as horas assinaladas desde a Répública entre as torres do jesuítico colégio, se o caminho para fora do mausoléu a que tantos querem reduzir esta vila com pretensão de ser museu.

 

Por trás da igreja e do busto em bronze de Pousão, e antes de saír da vila (por uma alameda a que foi dado o nome do pintor), um primeiro espaço de liberdade -- o Carrascal com o seu campo de jogos e de feiras, e a Mata, em baixo; na Praça em frente ao busto, a fonte seiscentista que substituiu o coreto republicano e, pela Corredoura abaixo, o caminho pro Palácio, com o seu monumental Terreiro e o bronze dos bronzes que desde os anos quarenta é a estátua equestre de D João IV, também ele a sair da Vila, a caminho da História. Esta era a topografia/geografia simbólica desta vila—corte desde meados do século XX. As pedreiras apenas arranhavam o manto de olival que fazia a paisagem.

 

Quem teria sido aquele homem cujo mérito de artista assim era celebrado? Como teria vivido? Uma placa colocada num prédio da rua que então tinha o nome do ditador Oliveira Salazar, e entretanto renomeada de Florbela Espanca, assinalava o local e a data do seu nascimento. E explicava a razão da vila se empenhar na sua celebração. Porque também regista a data da sua morte nesta mesma vila, permitiria compreender que o emérito senhor em bronze só viveu até aos vinte e cinco anos. Mas seria necessário ter o hábito da aritmética, o que não era assim tão usual entre os patrícios do matemático Caraça que ainda estava para ser moldado em bronze ali próximo, mas que na altura só era evocado pelos seus méritos de opositor político e, talvez, esforçado fundador de uma universidade popular (Patrício é uma maneira de não dizer conterrâneo, porque o jovem pastor, de gado, só escapou ao seu destino de ignorado e ignorante plebeu porque o patrão lhe deu acesso, bem longe destas glebas, aos átrios da instrução que lhe permitiram aceder à sabedoria). Este é o Pousão em Bronze a cuja presença dignificante a vila se habituou. Enterrado sob décadas de indiferença só perturabada pela curiosidade de alguma criança ou visitante mais cultivado)

 

(mas) Entre o nascimento e a morte num lugar tão insigne como esta vila, que só ela o poderia merecer, por onde teria andado aquele jovem da segunda metade do século XIX? O que teria feito dele pintor? Onde teria ganho, se não o génio – que lhe seria inerente — o reconhecimento do valor da sua obra?

Que teria ele pintado? Para além daquele quadro com a rapariga que tinham chapado em bronze no pedestal, e um moço atrevido que lhe serviu de modeloem Roma, e em que alguns estudiosos da sua obra veem um alter ego.

 

Na lápide evocativa do local de nascimento, escreveram ter sido um pintor impressionista. (Outros diriam ter sido naturalista, ou tão só colorista, ou só mais um pintor fortemente impressionado pela luz das paisagens do mediterrâneo). Mas de que impressões ou coisas impressionantes se tratava? O que o teria levado a procurar a luz e a cor tão longe desta terra, onde o que não falta é cor e, sobretudo, luz.

A sua obra, generosa ou desesperadamente oferecida por seu pai à Academia portuense onde o jovem se formara, esteve desaparecida até que nos anos 30, um professor que visitou as caves veio dizer estarem por lá perdidas umas pinturas luminosas que podiam mudar a história da apagada e sebenta pintura portuguesa no século XIX. Retomado o tema por AbeL Salazar, a obra de Henrique Pousão tornou-se arma de arremesso na arena político-cultural. Mas a sua vida continuou sem ser estudada e a relação entre esta e asua obra só cinquenta anos viria a dar lugar a interrogações e investigações.

Depois de um primeiro livro de António Rodrigues que as analisa a uma nova luz, terá sido Carlos Silveira quem mais avançou na investigação sobre a obra do jovem pintor, inserindo-a nos estudos sobre a história da arte a nível europeu.

 

Em 1959, era pomposamente comemorado, nesta vila—corte abandonada, o centenário do nascimento do o “Mestre Pousão”, entretanto tornado célebre numa pátria portuguesa onde quase todos o génios morrem jovens ou ignorados (Como em 85 viria a também a passar por aqui as comemorações do centenário da morte do pintor que então muitos descobriram não ter deixado de ser jovem e, mais do que aberto, sensível e rápido na apreensão das correntes artísticas da sua época, e capaz de antecipar e esboçar na profusa obra de uma breve vida alguns dos que viriam a ser os desenvolvimento da arte no final do século XIX e mesmo nas primeiras décadas do século XX; em que poderia muito bem ter chegado a viver (Apontamento sobre modernidade e fragmentos em Carlos Silveira e W Benjamin na década da morte de Florbela Espanca. Florbela e Henrique que poderiam ter sido longamente contemporâneos e conterrâneos, em Vila Viçosa, ou no Porto. Compreender esta vila pela negativa, nas vidas reais e possíveis destes dois artistas).

No findar dos anos cinquenta (em que tanta coisa começava a acabar neste arcaico país e mesmo nesta cristalizada vila), uma elite local minimamente ilustrada misturou-se nas ruas e salões da vila com os ilustres visitantes e pôde ver pela primeira vez grande parte da obra de Pousão em óleo sobre madeira ou tela, e talvez alguma aguarela – desenhos a carvão e outros retratos poderão ter sido conservados durante décadas em algumas casas da vila. Podemos dizer que foi o período do Pousão feito óleo e emoldurado em madeiras ornamentadas

Não obstante, despontou um pouco do Henrique de Araújo Pousão de carne e osso e da memória social de um Pousão a viajar do Porto ao Algarve, memórias trabalhadas por Túlio Espanca e por um parente algarvio, Francisco Ramos que as editou num pequeno livro.

 

Desde então, têm-se multiplicado os estudos académicos sobre a vida e obra de Pousão e os contextos em que viveu. Isso levou a que tivessem sido comemorados em 2009 os cento e cinquenta anos do nascimento deste artista, entretanto tornado estudo de caso e modelo de aluno, na academia do Porto. E nesta cidade apropriado por sucessivas gerações de jovens, que o regeneraram nos hábitos de Pousanito – POUSANITO ÉS O MAIOR! Assim é evocado num blog animado por gentes do Porto.

 

Ah! O Porto! Cidade metrópole, capital de uma Portugaliza, j´que nunca o poderia ter sido de qualquer Lusitânia, que sempre se desenha na vida de alguns calipolenses artistas ilustres como o negativo da pequena vila alentejana. (Novamente, compreender a vila aqui pelas circunstâncias de vida dum Espiga Pinto ou dum Nuno Portas)

Mas “a vila” ignorou. Ficou só o Pousão em Bronze celebrado em algumas conferências e num prémio bianual ... ((O q é q a vila celebra? Celebra-se!)​)

O Pousão bem guardado no fundo baú que é suposto ser o stock dos intelectuais da terra, ou trazido na bagagem de mão de algum académico portuense de visita a estas paragens exóticas onde têm origem alguns dos “seus” artistas.

 

ARTE E CULTURA EM Vila Viçosa

2.

O que é que a Vila celebra? Celebra-se!

Vila Viçosa como um lugar onde se chega ou de onde se parte para o exílio, viagens que são também grandes destinos e que ligam esta vila à grande história.

O condestável que se fez Frei Nuno de Santa Maria e, de beato que foi, acabou santificado. O grande Alvares Pereira, que fundou um santuário com uma figura de madeira importada de Inglaterra. Mas o que foi, e o que é esta ligação da pequena luminosa vila com a grande e animada corte das nebelinas? Veio uma imagem da Virgem Mãe em madeira,

Daqui partiria mais de dois séculos volvidos, uma virgem sacrificada pela Independência de Portugal, ou tão só um Reino para o pai; jovem donzela, penhor de um dote que ligaria por séculos Nova Iorque a Bombaím, fazendo nascer um dos maiores impérios da história. E que terá levado o hábito cerimonial de beber às cinco da tarde uma infusão de folhas secas que deu a volta ao mundo e o fez dar várias voltas – também na Nova Iorque em que lhe ergueram uma discutida estátua. LINKES P sINO DO cARACENA)

Mas, entre a imagem da Santa Virgem e a virgem infanta sacrificada, houve um D Jaime exilado na fulgurante corte renascimental de Espanha, após a condenação do pai-duque por suspeita de conjura contra o rei D João II, Reabilitado por D Manuel I, o novo duque fez da Vila uma pequena quinhentista com um papel fulcral nas relações diplomáticas (e artístico-culturais com a Corte de Espanha, e por aí inevitavelmente com muitos centros da Europa. Um lugar fulcral que faria passar por aqui alguns dos grandes vultos dos séculos XVI e XVII. Valeria a pena estudar marcas dessas passagens (nomeadamente literárias, como a de Lope de Vega). Já agora, e mudando de tom, porque é que em vez de reconstruções históricas que podem reduzir-se a hediondas repetições de feiras medievais ou quinhentistas, não se escreve e se encena uma série de encontros entre figuras históricas, a começar por um diálogo do Rocinonte com o cavalo de D João IV.

E a ligar a Vila a um mundo cada vez mais vasto, a fazer esse mundo, temos ainda o destino de um fidalgo da casa ducal, que preferindo servir directamente o rei foi Vice-rei na India e Governador/fundador do que viria a ser a grande metrópole colonial hoje conhecida por São. Paulo. Junto com os registos da passagem da embaixada japonesa por aqui, não faltam motivos para este lugar poder voltar a ser um palco onde se fazem cruzar destinos do mundo sobre os quais é sempre tempo de reflectir.

Quais feiras medIevais?! Qualquer encenação teatral de principes, cavalos, literatos, músicos, artistas, indios, japones e indús, por mais tristes títeres que a façam, desde que correspopnda a uma genuina interrogação, nos livraria da ganga destes tempos, permitindo-nos, pelo menos almejar mais do que a mediocre imitação de mediocridades.

E os encontros podiam continuar com cavalos e outros personagens literários, com principes da política , assim como com principes das artes, do comércio, dos comércios de todos os tipos. Até um encontro com árabes compradores de mármore tornado jiadistas ou clientes iraquianos agora solicitadores de asilo. Ou não haverá nesta terra e nos seus apaixonados visitantes quem seja capaz de encenar os problemas contemporâneos.

 

Num próximo post falaremos de:

Obra em madeira. A reserva no ateliè  e outros procedimentos técnicos de pintura e desenho. O mundo da academia portuense no período da regeneração, os seus modelos e professores A recepção reapropriação pelas novas gerações. Naturalismo, materialidade e jovens da sociedade do conhecimento. 

E noutro post (A curta vida do Pousanito):

Ainda falta uma aproximação ao Henrique Pousão de carne e  osso (Não obstante as cartas e as biografias dos anos 60). A memória de uma vida e a compreensão das suas circunstâncias (O q é q a vila celebra? Celebra-se!)​

LINK PRA MANIFESTO DE 2016

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Henrique Pousão, num busto bronzeo em Vila Viçosa. A retórica celebrativa do salazarismo homenagiou em 1959 um Mestre tre que na sua curta vida e na fulgurante descoberta dos horizontes da arte feita na sua curta vida, o Pousanito nunca foi. Por trás do busto, a casa que foi do avô paterno de Henrique vai-se arruinando, não obstante as insignias de pintor esculpida em mármore que decoram o pórtico da casa.
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