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Olhar a Paisagem por   um   Canudo: Vê-se   a   Tapada até   ao   Fundo -- 

Não     se     veem

" as  pe drei ras "

Olhar a paisagem por um canudo: Vê-se a Tapada Real até ao fundo, mas não se veem “as pedreiras”

Na Proposta de Inclusão de Vila Viçosa no Património Mundial, muito se fala da relação entre a Vila e a sua envolvente geográfica, a “íntima relação entre a vila e a paisagem envolvente” (p. 147), mostrando que a urbe se desenvolveu utilizando os elementos naturais como o mármore e a água na sua arquitectura, hortas ejardins, e prolongando as amenidades e benefícios daí resultantes pela envolvente mais próxima (e até por “toda a área geográfica do concelho”).As hortas, os montes, as propriedades agrícolas, as noras, os aquedutos e os moinhos, situados na envolvente próxima, constituem um sistema de construções que sublinham a íntima relação social e económica de Vila Viçosa com o território rural circundante, a qual se tem mantido ao longo dahistória. (p. 27)Reconhece-se “uma intencionalidade de ordenação do espaço exterior num contexto renascentista de cidade, na sua relação direta com o campo, dando aos dois elementos uma notória continuidade”.E mesmo da conjugação do “conhecimento da natureza do sítio, a consciência e a identidade do lugar”.E escreve-se que:"A paisagem envolvente manteve a maioria das suas características, para isso contribuindo a manutenção da atividade agrícola em áreas adjacentes e a presença da Tapada Real; assistiu-se a um crescimento da vila, mas essa expansão não levou à destruição dos testemunhos antigos (como aconteceu em muitas grandes cidades)"; (p. 141)Na retórica da candidatura, este acento posto na relação entre a paisagem urbana e a paisagem rural tem, mais ou menos conscientemente, duas outras funções. A focagem na relação com a envolvente próxima serve, talvez inconscientemente, para esquecer ou fazer esquecer o impacto da exploração do mármore que desde meados do século XX rasga a paisagem rural numa segunda envolvente da Vila, mesmo em cima dos cabeços que lhe marcam os horizontes e que estão nos limites da sua pequena bacia hidrográfica. Mais consciente e deliberadamente, serve para justificar a inclusão, na candidatura, de uma segunda componente que seria a Tapada Real, natural e  historicamente relacionada com a vida da côrte ducal, se não com a vida de toda a urbe.Ora, para além da área da Tapada Real ultrapassar, e muito, os limites do concelho de Vila Viçosa (o que, só por si, devia ter levado a considerar outras urbes e outros patrimónios na lógica e na dinâmica da candidatura), a qualidade da paisagem rural de uma fatia da envolvente, mais funda que larga, não pode servir para encobrir ou fazer esquecer as feridas na paisagem que marcam os panoramas (veja-se, por exemplo, nas fotos 7 na p. 18 e 147 na p. 138 desta Proposta), mas também as vivências, as práticas agrícolas e silvopastoris e até a viabilidade, em todo um largo sector daenvolvente geográfica que começa a Norte nas imediações da Tapada Real e, passando pela Serra da Vigária a Poente (e pelo moledo depositado no Monte do Álamo, muito próximo da vila e bem visível no panorama de paisagem rural que se devia desfrutar do “Castelo”) vai até Sul bloqueando os caminhos municipais que, pelo meio da tal paisagem de olivais e de pequenos ribeiros a partir dos quais se irrigam hortas e laranjais, levavam da Vila às quintas com pomares da freguesia de Pardais... onde se prolongavam as amenidades da arquitectura e jardins da côrte. Vastas áreas de escavação e escombreiras, visíveis em muitas das fotos que integram esta Proposta de Inclusão (fig. 7, fig. 147), prejudicam qualquer pretensão de articulação harmoniosa entre actividades humanas e desfrute cénico ou deambulante da paisagem, contrariando o carácter deleitoso que, segundo textos desta Proposta de Inclusão, a caracterizava.

A primeira descrição que é feita da nesta Proposta de Inclusão da 1ª componente do bem proposto -
“o núcleo urbano histórico de Vila Viçosa” – imediatamente põe este núcleo urbano em relação com a sua envolvente, como um berço, igualmente nobre, em que nasceu, com uma localização estratégica
[…] situa-se numa planície que tem como ponto mais alto a colina onde se implanta o castelo. A sua topografia permite a visualização de uma vasta extensão de território, alcançando inclusive algumas
serras da Estremadura espanhola [ …]
E, logo de seguida, é posto em relevo o papel de dois ribeiros na conformação e atractividade deste povoamento:
"tendo sido conformado, durante muitos séculos, pela existência de duas ribeiras, a norte a de Alcarache e a sul a do Rossio (Figura 21).[...] até esses limites físicos terem sido vencidos pelo homem com obras de encanamento desses cursos de água".
Parece haver aqui um pequeno deslize em relação à retórica de vila singular e harmoniosamente integrada na paisagem rural e na natureza. Neste talvez inconsciente deslize, começa a surgir um
problema em relação ao papel central que é dado à água na introdução da candidatura. Já foi analisado na secção A.3, mas voltámos aqui a ele porque a problemática da água está estreitamente
ligada à da exploração do mármore e à questão da inclusão da Tapada Real nesta candidatura como uma 2ª componente.
Na Secção 2.1.4 da Proposta de Inclusão, dedicada à “integração na paisagem” pode ler-se:
"O núcleo urbano histórico de Vila Viçosa e a Tapada Real são o resultado da intervenção humana
num território cujas características topográficas, hidrológicas e geomorfológicas participam e
contribuem na sua diversidade e identidade."
E, na p. 27, afirma-se:
"Vila Viçosa apresenta aspetos de integração entre cidade e campo singulares, nomeadamente: [...]"

Vila Viçosa: Pedreiras e moledos a Sudoeste e Poente.

Carlos Paredes: Movimento perpétuo

O texto sobre a paisagem na secção 2.3.1 desta Proposta de Inclusão, da autoria da Prof.ª Aurora Carapinha mostra o valor de uma paisagem rural com desenvolvimentos protoindustriais, mas é uma descrição da paisagem em que os recentes desenvolvimentos, sobretudo os ligados à
exploração e laboração do mármore e ao desenvolvimento económico-social e urbanístico, ficam de lado. Fica a faltar, talvez por isso, a perspectivação da continuidade possível e da recuperação daquela tradição e linha estratégica no presente. E os mais recentes desenvolvimentos que culminaram na derrocada de uma estrada tornaram a retomada de uma estratégia global urgente e incontornável, sob risco de regressão e decadência irreversível. Não se pode pretender salvaguardar a memória e o testemunho de uma prática e talvez estratégia paisagística como a que aqui foi descrita, no meio de uma território fortemente marcado por uma indústria extractiva em decadência
sem encarar a problemática do reordenamento. (E que esordena/bloqueia inclusivamente a viabilidade e a expansão urbana.) Na secção A3, discute-se este texto e as perspectivas que abre. Na secção B.3 será desenvolvida a abordagem da problemática do ordenamento.
No texto da proposta reconhece-se a importância da “fusão entre os valores eruditos decorrentes do projeto urbanístico singular do século XVI com os valores tradicionais, que resultam do saber fazer popular e do emprego das formas e dos materiais mais disponíveis na região, nomeadamente o mármore” que caracteriza paisagem e cultura em Vila Viçosa, mas só numa curta descrição de um museu do mármore se volta ao assunto, deixando constatar que mesmo aí o tema é insuficientemente tratado; estando as dimensões histórica e antropológica do desenvolvimento de técnicas e saberes quase ausentes. E no entanto, têm funcionado na região dois centros de estudos com uma intensa e sistemática actividade de investigação, documentação, formação e divulgação de tudo o que diz respeito à exploração do mármore na região. Um deles, o CEVALOR, sediado em Borba, e mais ligado às empresas e associações empresariais,acabou por se extinguir por problemas
económicos. O seu acervo documental passou para o outro centro – o CECHAP, com mais inserção no meio académico. Como este centro manifestou a intenção de participar na discussão pública da proposta de inclusão, de pouco serviria avançar aqui com um esboço de abordagem desta questão. Muitos dos membros do CECHAP estão em condições de o fazer muito melhor que eu. Só acrescento que não se entende como estes centros de estudo não foram chamados a uma participação sistemática no processo de candidatura. Continuarei, assim a focar-me nos aspectos
relativos à paisagem e ao ordenamento.
O que se pode ler na secção A.1 permite compreender quanto é problemática a definição do bem que se candidata. Percebe-se isso também na secção A.3, quando se vê que é adoptado um critério
cronológico para a demarcação da área do núcleo histórico que leva a incluir as intervenções da década de 40. A não ser assim, a área histórica ficaria seccionada em pelo menos três pedaços. Mas esse critério de demarcação afecta também a definição do bem por uma segunda componente, que está relacionada com a côrte ducal, mas que se tem que separar fisicamente do centro urbano histórico - a Tapada Real. Se se tivesse optado por candidatar o património ligado à Casa de Bragança com destaque para um período renascentista e barroco, mas com relações de continuidade com os seus antecedentes medievais e as suas continuações já como casa real, ou seja, no essencial, o Paço Ducal e as fortificações, edifícios e espaços religiosos, e o desenvolvimento urbano induzido pela côrte, então a segunda componente do bem candidato, não teria que ser separada. A Tapada Real faria naturalmente parte dos equipamentos dessa côrte.
Na lógica desta candidatura, que põe o acento na urbe, na sua dimensão temporal e nas suas relações com os recursos naturais e a paisagem rural envolvente, a Tapada Real é apresentada como o espaço nobre dessa paisagem natural/rural, mas também ela tem que ser um espaço demarcado, e demarcado tal como o foi. E isto não só por exigências ligadas aos instrumentos legais inerentes à caracterização e qualificação do bem, mas sobretudo porque seria o único espaço envolvente que
parece livre de problemas ambientais e mais disponível para legislação reguladora. 

Vila Viçosa - de Inclusão no Património Mundi- Proposta de Inclusão no Património Mundial

A Tapada Real (A linha amarela que aqui se traçou sublinha os limites do Concelho a Noroeste, que são também os da pequena bacia hidrográfica do Vale Viçoso.

Ora, este património, sendo pertença da Casa de Bragança, não deixa por isso de estar vinculado, na maior parte da sua extensão e funcionamentos hidrogeológicos, aos territórios dos vizinhos concelhos municipais de Borba e Elvas. Esta não coincidência de vinculações patrimoniais poderia levar a pôr questões em relação ao desenho e projecto atribuído aos duques, os quais nunca terão querido enfrentar esta questão dos limites municipais nem sequer enquanto reis. E aí há outra relevante implicação deste problema, para além das questões relativas à legitimidade de Vila Viçosa
para apresentar como exclusivamente sua esta candidatura, assim como em relação aos instrumentos legais de salvaguarda – outros estão muito mais capacitados e alguns até obrigados a fazer essa avaliação – é o problema da articulação entre instrumentos de ordenamento da Zona do Mármore e os instrumentos legais para a área de Protecção da Tapada Real que esta candidatura
implicaria. Disso se trata na secção B.3.

>>Prioridade ao Ordenamento

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