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A Cerca Nova e os Rossios

  • Foto do escritor: José Pombeiro Filipe
    José Pombeiro Filipe
  • 21 de jan. de 2019
  • 6 min de leitura

Atualizado: 24 de jan. de 2019




Sobre os rossios e o seu significado no urbanismo do passado e do presente, há um interessante texto de uma arquitecta paisagista professora na Universidade de Évora.


Maria Freire*

*Universidade de Évora. Centro de História de Arte e Investigação Artística (CHAIA) e Departamento de Paisagem Ambiente e Ordenamento (DPAO). Palácio do Vimioso, Largo Marquês de Marialva, mcmf@uevora.pt

00351266740800


The reason why the rossios should be reinvented in the contemporary city

EURAU’12

ABSTRACT. This approach brings up the urban multifunctionality of open urban

spaces and reflects on the importance of the ethical issues, concerning the Nature

and Culture. It starts with the definition of rossio, an open urban space Portuguese

typology, discussing its functions, location and form; move towards the importance

of rossio in the context of the historic and contemporary city; and ends with the

explanation of its potential for today’s society. The aim is to value this singular

open space, to argue for its adaptive capacity in the improvement of our cities, and

to underline its character as a fundamental urban unit.

KEYWORDS: open spaces, rossio, multifunctional, ethical issues, Nature, Culture.


O texto é demasiado longo para transcrever aqui. Mas vamos transcrever alguns trechos (que vamos intvamos intercalar com fotografias feitas nos rossios de Vila Viçosa e Estremoz, embora esses não sejam o objecto de estudo a que se refere o texto.


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"O rossio é a designação dada a vários espaços abertos públicos urbanos em Portugal. Este é um legado resistente e cobiçado, como o demonstram o significativo número de unidades ainda hoje existentes e as múltiplas intenções de

alterações espaciais concretizadas ou não.

Para a criação do espaço rossio nos aglomerados urbanos foram naturalmente determinantes o contexto urbano e rural em que foi gerado, e as necessidades das respetivas comunidades. Um processo que foi determinado pelas características específicas da nossa paisagem mediterrânica e da relação que o homem com ela

estabeleceu. Esta é uma paisagem de contrastes - determinada pelas características topológicas e fitoclimáticas do território e pelas diferentes civilizações que a ele acorreram - onde, a atividade agrária e a pastoril, o povoamento e a estrutura urbana dos aglomerados ocorrem mesclados, função desses determinismos. [...]



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A imagem característica da cidade mediterrânea medieval (cristã ou muçulmana) corresponde a um sítio proeminente, de onde nasce um recinto amuralhado circundado por uma área agrícola que abastece a urbe (Ribeiro, 1987, 96-97). Nessa imagem participa, ainda, o grande espaço livre, periférico e adjacente ao recinto, junto a uma porta, onde se efetuavam atividades ou manifestações que o espaço urbano não comportava e onde se estabeleciam relações importantes entre o centro produtor, rural, e o

consumidor, essencialmente urbano.


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Este espaço livre não permaneceu sempre no mesmo local ao longo do percurso urbano dos aglomerados. Outras localizações espaciais devem-se à expansão urbana para fora do limite da muralha (situação que conduziu, frequentemente, ao alargamento da cerca englobando-se as novas expansões), com consequente concretização de outros recintos livres. As portas da muralha, que se incluem na proximidade daqueles espaços livres, apresentavam uma localização certamente relacionada com as vias que ligavam cidades, regiões e mesmo circulações internacionais e ainda, quando

presentes, com as pontes sobre as linhas de água e áreas portuárias.


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Na cidade cristã medieval o mencionado espaço livre foi designado por rossio. Símbolo, por excelência, de urbanidade, uma vez que corresponde a uma unidade gerada pelo urbano, o rossio exprime ainda uma forte componente ruralista pela forma como evoca o contacto com o território e se abre ao mundo rural. [...] Para além destas funções, o rossio traduz-se ainda numa importante área de descompressão urbana, dadas as dimensões que o caracterizam e a localização de transição que apresentam (entre o mundo urbano e rural).


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O caráter primordial do espaço rossio baseia-se em princípios produtivos e comerciais, donde se consideram estas as suas funções principais. Contudo, parece indiscutível o seu papel preponderante como espaço de descompressão das urbes, daí lhe acrescentarmos esta função também às principais. Este conjunto de funções – produtivas, comerciais e de descompressão urbana - é revelador da função utilitária multifacetada e da plurifuncionalidade que caracterizou o rossio ao longo do seu percurso urbano.


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Apropriações posteriores do espaço reforçaram a plurifuncionalidade do rossio acrescentando-lhe outras funções. Tratam-se de acomodações funcionais, que consideramos secundárias, dada a sua variação temporal. Estas são mais uma vez

reveladoras da sociabilidade do espaço e da sua capacidade de adaptação a novos usos e funções, inscrevendo-se essencialmente num âmbito mais cultural e recreativo, distinguindo-se ainda as utilitárias especiais. Um conjunto de funcionalidades onde as características espaciais do rossio privilegiaram, uma vez mais, os randes ajuntamentos e a multiplicidade de utilizações. As funções culturais e recreativas, manifestam-se nas festas e outros acontecimentos de caráter mais extraordinário que nele ocorreram (entradas e receções régias; autos de fé e execuções; diversão como jogos, corridas de touros, touradas ou simplesmente o passeio). ...


Todas as características apontadas ao rossio, como a sociabilidade, a plurifuncionalidade e fácil adaptação a novas funções, tornam-no um pólo a partir do qual as cidades se vão desenvolver. Envolvido na expansão da cidade, tornou-se num espaço central tendo dado origem, com alguma frequência, a um praça...


A localização do rossio é ditada pelas funções primordiais exercidas por esta tipologia de espaço. Desta forma, as suas características plurifuncionais já analisadas (lugar de trocas comerciais, práticas agrícolas e de descompressão urbana) determinam-lhe uma localização exterior e adjacente ao centro urbano ...


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A composição espacial deste espaço aberto e livre é particularmente assegurada pelos limites que, para além de conterem o espaço também o definem. Os limites são constituídos por elementos vivos (árvores) e também por inertes (muralhas e/ou edificações) apresentando, ao longo do tempo e em função do espaço, variadas formalizações. Para além desses limites fechados assinala-se a constante presença e dominante expressão de limites abertos - o que reforça a multidireccionalidade espacial e reflete a abertura à cidade, ao campo e às múltiplas funções que desempenha. Dada a grande diferença de composições dos limites, podemos, falar de alguma diversidade formal no espaço rossio (que nem sempre é muito clara devido à natureza dos espaços limítrofes). [...]


A amplitude do espaço rossio, o seu posicionamento e funções polivalentes que

preconiza, conduzem-nos a uma conjugação que julgamos ser a essência deste lugar urbano. Acresce ainda o facto de que a estas características se associa uma outra particularidade - o rossio parece pressupor uma adaptação contínua às alterações e transformações do contexto correspondendo, portanto, a algo que permanece, ainda que a atmosfera que o caracteriza seja transformada [ ...]



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A cidade do presente é constituída [por] diversos tecidos urbanos, diferentemente caracterizados quanto ao modo de articulação e diferenciação dos seus constituintes cheios e vazios (Choay, 1992). Nesta estrutura global (que integra a

cidade histórica e a cidade contemporânea), o espaço rossio pode ser considerado uma unidade urbana excecional, não só pelo seu desempenho na estruturação e vivência urbana, ao longo do tempo, como pelo potencial que evidencia nos

aglomerados em que ainda está presente.


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Este maior e mais polivalente espaço urbano, emprestadou-se sempre à mudança e ao desenvolvimento de múltiplas atividades e funções. Uma circunstância que justifica as variadas apropriações e evoluções espaciais, num processo continuado de mudança (condição que o estabelece como uma unidade urbana fortemente marcada por aspetos utilitários, estéticos e ainda ecológicos). Porém, hoje os rossios são já um vazio significativamente reduzido e fragmentado.


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Nele foram adicionados e justapostos, de modo desconexo, equipamentos, edificações e outras construções (escolas, centros culturais, parques urbanos, estacionamentos, construções desportivas, novos bairros, vias de comunicação). Donde resulta uma imagem globalmente descaracterizada e desqualificada, onde o

espaço residual é palco excecionalmente utilizado para atividades culturais, comerciais e desportivas e, na maior parte do ano, é lugar de estacionamento.


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Dado o valor histórico que apresenta e as características singulares que o definem, a tipologia expressa um enorme potencial no contexto das exigências dinâmicas fugazes da sociedade atual. Tal advém-lhe da capacidade de receber e sugerir atividades muito diversas (lúdicas, produtivas e comerciais), uma conjugação em que se distinguem vários domínios (estéticos, culturais e ecológicos). Esta circunstância elege o rossio como um lugar extraordinário para a cidade de hoje e como uma tipologia notável, a acionar no contexto da sociedade sempre em transformação.


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[...] o valor histórico do rossio, juntamente com as suas características espaciais singulares (localização, terrenos baixos, espaços abertos amplo e multifuncionais), expressam uma aptidão extraordinária no presente. Referimo-nos à conjugação e ativação de diferentes requisitos simultaneamente no mesmo espaço e com

capacidade adaptativa ao longo do tempo - atividades, funções e valores, particularmente ligados com o caráter transitório da sociedade atual. Assim, espaços abertos com tais características e capacidades adaptativas parecem fundamentais para assegurar a dinâmica e exigências requeridas à cidade do presente, numa perspetiva futura. A mencionada espacialidade e flexibilidade pode assegurar diversas oportunidades de estruturação e vivência urbana, incluindo o espaço para lazer, para a agricultura, para jardinagem, para atividades comerciais, culturais e eventos cívicos, bem como para estacionamento.Surge então a ideia de reinvenção daquele que pode ser considerado o maior, o mais poroso e o mais dinâmico espaço aberto urbano. Aqui se incluem os domínios do fluxo da água e do ar, da circulação das pessoas e bens, da produtividade e fertilidade - numa resposta múltipla a diversas funções, convocando distintas atividades e valores. Assim uma unidade urbana polivalente que se consubstancia na estrutura global (ecológica e cultural), defendida por Magalhães (2001). Uma unidade estruturadora urbana que sublinha uma construção assente em princípios éticos - perante a Natureza e a Cultura – segundo uma combinação de domínios,

tornados claros através da espacialidade, funcionalidade e estrutura, e sedimentada no significado ecológico e cultural. Pensamos então a tipologia do espaço rossio como uma contribuição sugestiva de soluções inovadoras e sustentáveis sobre como desenhar, planear e gerir as cidades atuais, no contexto da dinâmica que caracteriza a sociedade urbana.


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