QUEM QUER CRIAR CORVOS NA CATALUNHA E PORQUÊ?
- José Pombeiro Filipe
- 26 de out. de 2019
- 4 min de leitura

Os que escrevem os artigos anticatalães com que as empresas que monopolizam a (des)informação enchem as suas páginas, não podem dizer o que dizem, decalcado do que se lê e ouve a toda a hora em Espanha, só por estarem ingenuamente expostos à desinformação e propaganda espanholista Ou são idiotas, ou pensam que há muitos idiotas, ou dizem não importa o quê, porque são pagos para isso -- nesse caso, podem ser idiotas ou não.
Um imbecil não teve escrúpulos em escrever: "Este é um daqueles assuntos [o independentismo catalão] em que se sente logo à partida o enjoativo do viés de esquerda da imprensa, em geral, e da imprensa portuguesa, em particular. O nacionalismo catalão é tão odioso como qualquer outro nacionalismo." Como se em Portugal (e por toda a Europa e Américas) não estivéssemos todos fartos de saber que há um nacionalismo espanholista, um nacionalespanholismo, com séculos de opressão que culminaram numa Guerra dita Civil, de que muitos ainda têm uma memória viva. O argumento do “nacionalismo”, que aqui mais não é do que o acenar com um papão, pode facilmente ser revertido em favor do independentismo catalão. Mas deixo isso para outra ocasião, porque me levaria a voltar à ideia de que a criação de um corpo político (ideia de corpo que vem de Espinosa e tem feito estrada na filosofia) precede, ou está na fundação de instituições democráticas – e é a isso que estamos a assistir na Catalunha – mas já escrevi sobre isso Catalunha Livre e em Jogos Estratégicos..
Outros tentam uma escrita anticatalanlista mais articulada.
Manuel Miragaia Doldán lembra-nos que “há muitos contactos pessoais e dinheiro para a campanha internacional de desprestígio por parte do governo espanhol do independentismo catalão”, e que:
https://www.eldiario.es/politica/Gobierno-despliega-propaganda-contrarrestar-independentismo_0_952955540.html
Em qualquer caso, há que ir ao confronto de argumentos, mesmo que essa confrontação esteja condicionado por uma massiva desinformação. e desigualdade de acesso a meios de comunicação.
No contraditório, podemos afirmar mais claramente as nossas razões ( para além de poder até mesmo corrigi~las ou apurá~las).
Se pegarmos num artigo publicado no Observador e republicado por Henrique Soares Oliveira, em Catalunha Livre, podemos ver como isso pode ser feito, começando pelas estatísticas com que o articulista quer argumentar contra o independentismo.
Comecemos: 20,1 +17,4 = 37,5% que seriam pela independência (se bem que não necessariamente); 8,2+ 2,8 = 11% que seriam contra -- provavelmente estarão entre estes os que têm posicionamentos e atitudes que levam os independentistas a acusá~los de ser fascistas e colonialistas; para além de séculos de dominação colonial, houve colonização promovida pelo franquismo (como em Olivença), de par com a proibição da língua catalã -- qual a dúvida? Que, entre os espanholistas, não faltam franquistas -- qual a dúvida? E iremos depois aos 40% que, sempre segundo uma sondagem, se sentiriam tão catalães como espanhóis...
Tal como nas estatísticas, os mesmos factos podem ser revertidos numa argumentação: Diz o articulista que "Não é pela rua ser ruidosa e violenta que os catalães se transformaram numa massa humana una e homogénea." Bom: É porque os catalães NUNCA se transformaram numa "massa humana una e homogénea", não obstante 40 anos de franquismo, que a rua é "ruidosa e violenta", e é porque os catalães NUNCA se transformaram numa "massa humana una e homogénea" que o independentismo tem diversidade mais que suficiente para atravessar aquilo que no espaço político europeu se chama o espectro político "democrático", mesmo a custo do risco de divisões -- com que quer argumentar contra o movimento independentista catalão.
Mas o articulista, aproxima-se do servilismo à propaganda do Governo de España quando prescinde de quaquer verdade e mostra todo o preconceito contra a expressão popular de vontades políticas, ao dizer que os independentistas quiseram "retirar a política das instituições democráticas e atirá-la para a rua, onde a vontade se mede em decibéis e a legitimidade se aferirá mediante a quantidade de carros e mobiliário público incendiados. Transforma-se a democracia no recreio do sectarismo, substituindo a razão e a lei pelas emoções sem freio."
Todos os que têm uma posição, ou formam a sua opinião, seguindo o que se passou e passa na Catalunha e Espanha, sabem como os independentistas, maioritários no Parlament, em resultado de eleições sucessivas, e a partir do Govern da Generalitat tentaram aprofundar a "Autonomia", num quadro institucional (e constitucional) que muitos (mesmo o PP até 2008) consideravam necessariamente em evolução, e que, mesmo contra as componentes do independentismo que agora organizam "a rua", a Generalitat e o Parlament tentaram até ao último momento reduzir o Referendo e a "ameaça" de Declaração Unilateral de Independência a instrumentos de pressão sobre o Governo em Madrid. Foi o enregedicimento institucional e a instabilização do campo político em Espanha, tanto ou mais que a radicalização no movimento independentista, que deram lugar à presente situação.
É à luz desta evolução que se deve avaliar os possíveis posicionamentos em relação à independência dos 40% que, segundo a citada sondagem, se sentiriam tão catalães quanto espanhóis. A verdade em relação aos posicionamentos que a população inscrita nos cadernos eleitorais de Catalunha teria, se se pudesse pronunciar com autoridade sobre a independência ou outro estatuto para a Catalunha, a verdadeira verdade política, é que só num referendo se poderia saber, e isso é o que "todos" no quadro do Estado espanhol afirmam ser impossível. A partir daí, qualquer argumentação como a daquele artigo é falaciosa e cultiva a confusão, ao serviço da propaganda espanholista. É isto que dizem os que em Portugal e em toda a Europa, sendo pela independência da Catalunha, ou tão só pela autodeterminação, são rigorosos no uso que fazem dos factos e nas suas análises de complexas situações políticas.
26/10/2019
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